22/09/2021

Folhas de Notícias LInQUE

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Poética da vida (Junho de 2023)
Espiritualidade (Março de 2023)
Vulnerabilidade (Dezembro de 2022)
O luto (Setembro de 2022)
A força do Perdão (Junho de 2022)
(Re)Pensar a esperança (Março de 2022)
Falar de Gratidão em tempos de correria (Dezembro de 2021)
Comunidades Compassivas (Setembro de 2021)
Dar voz a quem cuida (Junho de 2021)
Damos-lhe as boas-vindas (Março de 2021)


A poética da vida

Segundo Edgar Morin, o ser humano produz duas linguagens a partir da sua língua: uma que é a linguagem racional, empírica, prática, técnica; e a outra que é simbólica, mítica, mágica. A primeira tende a precisar, denotar, definir, apoia-se na lógica e tenta objetivar sobre o que fala. A segunda utiliza de preferência a conotação, a analogia, a metáfora e tenta traduzir a verdade da subjetividade. Estas duas linguagens podem ser justapostas ou misturadas, e podem ser separadas, opostas; a estas duas linguagens correspondem dois “estados”: o “estado primeiro”, “prosaico”, em que nos esforçamos para perceber, raciocinar, e que cobre uma grande parte da nossa vida quotidiana; e o “estado segundo” ou “estado poético”, que pode ser dado pela dança, pelo canto, pelo culto, pelas cerimónias e, evidentemente, pelo poema (é um estado de vivência, de aqui e agora da sensação).
Surge, assim, a possibilidade desta dupla existência, uma dupla polaridade nas nossas vidas; nas sociedades arcaicas as duas linguagens e os dois estados estavam misturados na vida quotidiana, em que o trabalho era acompanhado de cantos e ritmos. Mas nas nossas sociedades contemporâneas ocidentais, criou-se uma separação, quase uma dissociação entre os dois estados, pela afirmação de uma cultura que, tornada científica e técnica, é separada da cultura humanista, literária, filosófica.
A pós-modernidade invade com inclemência a nossa vida, sem dar tempo para que sequer se dê conta desta invasão. E o bombardeamento de informação leva a uma incapacidade total de fazer o processamento da mesma (seriação, confrontação, reflexão, opinião) e a optar frequentemente pela quase total passividade.
Ora, a poesia, ao refletir sobre a condição humana, revela-nos a nós mesmos: o poeta ajuda-nos a conhecermo-nos melhor, a entendermos/dissolvermos os nossos conflitos internos e, nesse caminho, a termos condições de aceitar e compreender os dos outros, tornando mais saudável a convivência. A finalidade da poesia é a de nos colocar num estado segundo, em estado poético, em estado de vivência, trazendo de novo o Homem ao seu corpo.
A poesia poderia então ser um óptimo tratamento contra o stresse, comummente gerado pela crueldade do mercado, pois mostra-nos que não estamos no mundo apenas por utilidade e funcionalidade, e sim por encantamento, deslumbramento, amor, êxtase, comunicação com o mistério, com o além do dizível…
O texto poético torna os sentimentos visíveis, ativos. Não há melhor forma de entender o amor do que ler um poema de amor, ou de aceitar a passagem do tempo do que através de um poema.
O contacto com o texto poético aproxima-nos da natureza, do transcendental, do belo, proporcionando fruição e livrando-nos do cansativo quotidiano. A estética – enquanto experiência sensível e sensual – é um modo de conhecimento, e a poesia tem um efeito estético: é uma linguagem diferente… é uma maneira de ser.
A verdadeira linguagem poética é orgânica e viva, já que exprime a vida do organismo, do corpo, ao mesmo tempo que a vida do espírito: surge como transgressão, um desvio da norma. A poesia continua a ser, em muitos casos, a linguagem da afetividade, das emoções, das paixões, pois vai até a parte censurada da nossa sensualidade recalcada.
A poesia não se recusa a nenhum «excesso», a nenhumas transgressões do ser; os sonhos do Homem, os seus delírios, descobrem um lugar nos poemas, recebendo neles uma forma, um significado, ordenando a sua confusão. Por isso a forma poética é o modo natural de expressão das coisas mais “elevadas”. Nas Escrituras Sagradas de todas as religiões encontramos a abordagem de uma mitopoética através da linguagem, em que mistério, desconhecido e entendimento coexistem plenamente.
Quem lê poesia insere beleza, suavidade e originalidade na sua linguagem, no seu discurso, fazendo que nesta pessoa se reavive o espírito infantil do jogo.
A vida é essencialmente poética, por isso a expressão poética é uma manifestação vivencial, que faz com que nos sintamos vivos, em profunda conexão com o outro e com o universo, pulsando entre a consciência e os impulsos intuitivos mais arcaicos e cenestésicos que são nossos e fazem de nós o que somos: um ser que dança ao som da música produzida pelas cordas em tensão entre o “já” e o “ainda não”, entre o ser e o devir, entre a realidade e o sonho, numa harmonia que só a poesia pode ouvir.

Horácio Lopes
Paris, junho de 2023

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