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↳ Espiritualidade (Março de 2023)
↳ Vulnerabilidade (Dezembro de 2022)
↳ O luto (Setembro de 2022)
↳ A força do Perdão (Junho de 2022)
↳ (Re)Pensar a esperança (Março de 2022)
↳ Falar de Gratidão em tempos de correria (Dezembro de 2021)
↳ Comunidades Compassivas (Setembro de 2021)
↳ Dar voz a quem cuida (Junho de 2021)
↳ Damos-lhe as boas-vindas (Março de 2021)
A Espiritualidade
De todas as dimensões da experiência humana, talvez a espiritualidade seja a mais difícil de considerar, já que nos remete ao intangível, presente no aqui e agora de cada instante vivido.
Corresponde a uma aspiração profunda e íntima do ser humano, a uma visão da vida e da realidade que integre, conecte, transcenda e dê sentido à existência.
É, pois, uma aspiração verdadeiramente pessoal de plenitude que se desenrola em três direções bem distintas, mas complementares e que não podem existir separadamente: para o interior de si mesmo em busca de sentido, para o exterior procurando conexão com os outros e o que nos rodeia e para algo mais, em busca de transcendência.
Perante a Vida enquanto experiência, abre-se-nos a completa dimensão do mistério, frente ao qual apenas uma atitude de espanto e gratidão pode ser a chave que abre o portal que permita a expansão da consciência de cada um. O espanto que nos coloca no fluir da vida, pontuada significativamente por esses momentos vividos que nos deixam sem palavras.
Ao contactar profundamente a vida em si mesmo, o ser humano é tomado por esta emocionante e arrebatadora experiência de estar plenamente vivo, numa realidade inefável que, sendo particular nele, é comum a todas as criaturas. E esta constatação coloca-o perante o mistério do ser. Mistério que exerce um fascínio que convida o ser humano a adentrar-se e deixar-se envolver, embora por vezes possa ser tremendo e assustador (por isso negado, em reacção de defesa).
Várias respostas são possíveis perante esta dimensão. E a que ultimamente se vinha a cultivar mais ferozmente era a de calar o mistério com a contraposição dos “factos científicos”, banindo toda a dimensão espiritual do ser humano… como se a ciência não fosse, ela própria, fonte permanente deste mesmo espanto perante a vida e, portanto, fonte de espiritualidade. Só quem não pode abandonar a tirania da consciência de si mesmo não tem a possibilidade de entrar na experiência transcendente, já que só um olhar sem defesas consegue apreender a verdadeira presença. Abrir-se à manifestação do transcendente na realidade quotidiana.
O Espiritual é sempre “excessivo”, porque a incessante busca do belo e do bom fazem que não baste o objeto, mas seja necessária a beleza, que não baste o som, mas seja necessária a música, que não baste a palabra, mas seja necessária a poesia, que não baste o movimento, mas seja necessária a dança, que não baste a comunicação e seja necessária a comunhão, não baste a vivência e seja necessário o sentido… e não baste a vida, mas seja necessária a eternidade…
A verdadeira espiritualidade permite tomar distância das situações sem se alienar nem se diluir nelas e, em simultâneo, redimensioná-las ante o horizonte do mistério, sempre sem o reduzir ou negar. Mistério que habita em cada pessoa, pelo qual cada um é convidado a encontrar as chaves da “revelação”. Sabendo que não se pode reduzir à linguagem, porque é vivência.
Para Gardner, a Inteligência Espiritual integra elementos próprios e bem definidos, a saber: ter consciência de si no universo, ter capacidade de ver o todo como mais que a soma das partes, ter capacidade de sermos nós próprios e estarmos bem connosco próprios e com o mundo; e saber-se quem se é, de onde vem e para onde vai.
Cultivar a dimensão espiritual permite ter uma vida mais rica e mais cheia de sentido (ou seja: adequado sentido de finalidade e orientação de vida pessoal, porque está ligado à necessidade humana de ter propósito na vida).
Ao ampliar os nossos horizontes, a espiritualidade torna-nos mais criativos e impulsiona-nos a abordar e solucionar problemas de sentido e valor, desenvolvendo valores éticos e crenças que vão nortear as nossas ações. Ao permitir o acesso à percepção do maravilhoso, o amor transforma- se em acção; e o ser humano pode ter acesso quase permanente ao maravilhoso, o que não impede de perceber a parte injusta e “pavorosa” que também lhe pode oferece a realidade.
Para entrar cada vez mais nesta dimensão espiritual, é necessário nutrir a confiança na vida e deixar-se habitar de todas as perguntas sem resposta, crendo firmemente que o mistério se apresenta como oportunidade e não como barreira. Um convite a recomeçar sempre e a cada vez que o espanto e a gratidão nos toquem por dentro.
Dar lugar à espiritualidade é permitir que esta tensão bela e essencial entre o “já” e o “ainda não” façam festa e música no nosso ser, sedento de vida, de sentido e de amor, permitindo que o aquém e o além dialoguem entre si, e que passado e futuro dancem no nosso presente.
Não falamos de uma pseudo-espiritualidade consumista, caleidoscópica, irresponsável, de discurso sibilino, esotérico, iniciático, eivado de pseudo-psicologia e pseudo-mística, totalmente consumista de experiências intensas e pouco consumatória de opções identitárias: falamos de uma espiritualidade que nos leva a fazer muitas coisas belas, mas – sobretudo – a fazer da vida de cada um de nós um lugar de beleza.
Horácio Lopes
Paris, março de 2023